domingo, 25 de outubro de 2009

“O que você fez, daquilo que te fizeram?” *

Foto: AFP
O protesto é uma alusão ao assassinato de um suposto traficante no Morro dos Macacos, na Zona Norte da cidade. O corpo da vítima foi deixado dentro de um carrinho de supermercado.


Não posso passar por omissa diante da violência urbana, principalmente da que se instalou no Rio de Janeiro. O que presenciamos é o resultado de uma sociedade doente que gerou adolescentes desregrados e ilimitados pelos pais, crise familiar, reprovação escolar, desemprego, tráfico em geral, confronto entre gangues rivais, falta de influência política, machismo, discriminação em geral, entre outros fatores. Onde me coloco nisto? Apenas não pretendo ser mera expectadora deste circo de dores e concluir que uma morte a mais é a soma para dados de estatísticos.
Esse círculo vicioso tem uma origem que conhecemos bem. Só que tudo acontece tão rápido em nossos tempos, que mal perdemos o olhar nas coisas que nos ronda. A solução da violência por meio de reforço policial, equipamentos de segurança e na invasão de regiões onde o tráfico se localiza, pode aliviar as tensões, mas não é a solução para exterminar mazelas antigas.
Após anos de negligência buscamos soluções imediatas, tentamos tirar o coelho da cartola mágica para chegar a um final “felizes para sempre”. Quem de nós não é um pouco “Alice no país das maravilhas”? Queremos descobrir soluções para os problemas lógicos, armando quebras-cabeça, a partir da própria experiência.
Há um equívoco nesta guerra. Não é traficante que gera a violência, ele também é a vítima da sociedade individualista. Alimentado pelo sonho do consumo e com a total falta de valores éticos, corrompe-se para bandidagem por falta de assistência e formação de caráter. Não estou para defender bandido. Quero é buscar justificativas para entender o que levam estes moços ao tráfico e, o papel da Polícia Militar. Esta, formada por dois caracteres.
Uma parte da polícia trabalha sério no combate a bandidos. A outra, que deveria proteger, rouba e deixa agonizar até a morte o coordenador do AfroReggae. Quem rouba uma jaqueta e um tênis, também pode negociar armas e drogas.
É preciso urgentemente fazer um limpa no cesto da PM; maçãs podres estragam as sãs. Projetos como AfroReggae levam atividades culturais para reduzir o ócio nos cárceres, buscam diminuir as distâncias entre negros e brancos, pobres e ricos, e na medida justa promovem a reintegração de pessoas esquecidas.
Quem agonizou na calçada fomos todos nós que vivemos acuados na cidade maravilhosa que sediará os próximos Jogos Olímpicos. Nos sentimos roubados da confiança que devíamos depositar naqueles que foram designados a nos proteger.
Não posso mais agüentar isso! Hoje amanheci sem riso, e com muito medo de continuar a ser gente. Somos vítimas da banalização do crime e, ainda pior, da vida.

* A frase do título é do filósofo, escritor e crítico francês Jean-Paul Sartre

Fátima Cerqueira é professora de Língua portuguesa e escritora
Blog da colunista: http://fatimacerqueira.blogspot.com/
Comentários através do email: cerq12@hotmail.com

2 comentários:

Izabelle Costa disse...

O que falta?
EDUCAÇÃO
Isso, educação, com letras maiúsculas! Trabalho com jovens adolescentes que moram em área de risco (muito risco, diga-se logo) e que, por conta de uma educação privilegiada tem perspectivas diversas de seus "colegas de morro". Não se encantam com o mundo fácil e rápido das drogas.
Infelizmente, a psicologia moderna proibe tudo, tudo gerará "trauma", professores não se consideram mais educadores, passam mais tempo lamentando salários (que SEMPRE foram irrisórios) do que propriamnete educando... Bem, o papo é longo. Acho que vou escrever sobre isso.
Mil beijos

JM Cunha Santos disse...

Sobre o artigo "O que você fez das coisas que te fizeram" também lamento se "mal perdemos o olhar nas coisas que nos rondam". É preciso escapar da insensibilidade geral. Dela estamos todos sendo vítimas.
Continue buscando novos furacões, mesmo naquela casa "sem espaço para os nadas". Sua poesia me deveolve a certeza de que tudo morreu, mas os poetas (os que ainda sabem de sentimentos)escaparam com vida.