segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

“Solidariedade, amigos, não se agradece, comemora-se!” *



Começo meu texto com um poema do poeta mineiro, Murilo Mendes, chamado Solidariedade:

“Sou ligado pela herança do espírito e do sangue
Ao mártir, ao assassino, ao anarquista,
Sou ligado
Aos casais na terra e no ar,
Ao vendeiro da esquina,
Ao padre, ao mendigo,
À mulher da vida,
Ao mecânico, ao poeta, ao soldado,
Ao santo e ao demônio,
Construídos à minha imagem e semelhança”.

Sim, somos ligados em nos dar sem preceitos e preconceitos. E quando apanhados de supetão por tragédias, o peito amargura em dor, abrimos o guarda-roupas e de lá retiramos agasalhos que acumulamos por anos sem saber o porquê, ou melhor, sabendo sempre que serão úteis um dia. São nesses dias de dor que lavamos os olhos por conta da desgraça alheia, o corpo fica anestesiado, sem vontades de festas e risos.
Estou tão triste que mal me caibo em ver outras coisas. Não é momento de se achar um algoz, porque fome, frio, medo transpassam a nossa razão. Somos vulneráveis. A roupa de super-homem é fantasia, assim como a ideia de sê-lo no momento.
Dobro as roupas numa conversa de despedida, junto o pão, o sabão e um pouco mais, tudo em uma caixa bem lacrada, são partes de mim que divido. É meu quinhão de solidariedade.
No meio da imensa amputação dos sonhos de quem tudo perdeu, vamos juntando nossos pedaços na tentativa de recriar, abrandar as mazelas provocadas pelas calamidades. Aferramos nossas casas à beira do rio, nas encostas, porque necessitamos a proximidade do trabalho, deixamos há muito de sermos rurais. Como a vida passa rápido, construímos sonhos relâmpagos. E num piscar de olhos as chuvas chegam bravas no verão, escorrem pelo verde das montanhas, rasgam a terra e faz-se sangue enlamiado, põe abaixo tudo àquilo que um dia foi lar. O rio que se sente oprimido pelas margens, grita, espalha-se.
Tudo que vi nessa semana não foi castigo ou praga divina, foi omissão de autoridades, deszelos de muitos anos. As cidades com o tempo serão total ou parcialmente reestruturadas com algumas cicatrizes. Mas o povo emboçado pela terra dificilmente reconstruirá suas vidas. Terão roupas doadas, cestas básicas, donativos que jamais cobriram suas dores.
Não ouviram como eu agora a canção Yesterday, porque ontem foi um dia de muita dor, melhor esquecer. Caro leitor, sei que esperava de mim uma posição mais crítica, menos emotiva. Busquei em Murilo Mendes o meu sentimento que ora ofereço. Não quero arredar meu dedo em riste e apontar culpados. Não é o momento para inquisição. E quem sou eu para tal? Nem político ou Deus eu sou. Ainda citando Murilo, encerro com estes versos do poeta juizforano: “Senhor do mundo, me tira de mim pra que eu possa olhar os outros e eu mesmo”. E que Deus ajude a todos os alemparaibanos a recuperarem suas perdas.


* A frase do título é do sociólogo e ativista dos direitos humanos Herbert José de Souza, o Betinho.

2 comentários:

Anônimo disse...

Como mostram aquelas velhas fotos, Da.Liquinha levantou a barra da saia por precaução contra os respingos.

A coisa é velha, nós bem sabemos, mas dessa vez o que ocorreu em Teresópolis, Friburgo e região merece, sim, muitos dedos apontados para as "ôtotidades" que permitiram as construções naqueles locais e ainda permitem. A terrinha tá cheia delas...espanto-me sempre que vou lá.

Infelizmente não é dificil prever mais problemas até março, abril.

Dona Nilza já boiou umas quatro vezes de Dezembro prá cá, mas só pelo quintal.....esperemos que fique só nisso.

Juanito

Arione Torres disse...

Oi, sou Arione. Parabéns pelo blog.É lindo. Estou seguindo o blog. Segue o meu?
http://arionetorres.blogspot.com
Tchau...